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Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:
Por unanimidade, Estado português é absolvido de acusações de violação ao artigo 5.º, n.º 3, da Convenção Europeia, por suposto excesso de prisão preventiva e violação ao dever de apresentação do preso ao magistrado.
Julgamento aconteceu na terça-feira, 28 de novembro de 2017.
29/11/2017
A quarta secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, reunida em Estrasburgo na terça-feira (28 de novembro de 2017), decidiu por unanimidade absolver o Estado português das acusações de múltipla violação ao art. 5.º, n.º 3, da Convenção Europeia.
Os juízes do TEDH acolheram os argumentos da Procuradora-Geral adjunta de Portugal no caso que envolveu alegações de excesso de prisão preventiva e violação ao dever de apresentar imediatamente o preso ou detido à autoridade judicial (Gaspar vs. Portugal, application n.º 3155/15).
ARGUMENTOS
A recorrente alegou que não foi levada a um magistrado imediatamente após a sua detenção, pois sua prisão ocorreu a 26 de março de 2014, pelas 7h30, momento em que policiais entraram em seu apartamento para cumprir mandados de busca e detenção, mas foi apresentada ao juiz de instrução no dia seguinte apenas para fins de identificação e comunicação dos direitos processuais inerentes à acusação.
Considerou a recorrente que o facto de a validação da sua detenção ter ocorrido apenas a 29 de março de 2014, superadas as quarenta e oito horas após a prisão, é contrário ao prazo previsto no artigo 28, n.º 1, da Constituição portuguesa e no artigo 141.º, n.º 1, do Código de Processo Penal português, e constitui uma violação do artigo 5.º da Convenção.
Nos termos da redação do art. 5.º, n.º 3, "qualquer pessoa presa ou detida (...) deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo".
A apelante reclamou da duração da prisão preventiva, ao afirmar que não haviam razões relevantes e suficientes para justificá-la, e sustentou ainda que foram usadas expressões genéricas e vagas nas decisões que decretaram sua manutenção. Afirmou que os tribunais portugueses não demonstraram a impossibilidade de se aplicar medida menos gravosa - a prisão domiciliária - e também que não foi atendido o ónus da prova quanto às circunstâncias que justificam a renovação da prisão preventiva.
Em resposta Portugal argumentou que havia suspeita séria de branqueamento de capitais, suborno, fraude fiscal através de ocultação de valores e outros crimes financeiros. Sustentou que embora o raciocínio de algumas das decisões que ordenam a prisão preventiva possa parecer geral e vago, os tribunais portugueses não deixaram de avaliar as circunstâncias específicas que justificavam a continuação da prisão. O Estado referiu-se precisamente à ordem do Tribunal Central de Investigação Criminal de 27 de julho de 2015, que observou a existência de uma conta bancária da recorrente no Dubai e uma ampla rede contactos no exterior.
Para o recorrido as outras medidas de restrição legalmente previstas não conseguiriam responder aos riscos identificados: perigo de fuga e de perturbação da instrução do processo (artigo 244 do Código de Processo Penal português).
DECISÃO
A Corte considerou que as decisões que ordenaram a manutenção da prisão preventiva foram tomadas em intervalos regulares, de modo que o raciocínio inicialmente adotado não poderia ter seus fundamentos superados no curto período de tempo que as separou.
Para os juízes da quarta secção é razoável considerar que, tendo em conta o período de tempo relativamente curto entre as decisões, os magistrados utilizaram um raciocínio semelhante pelas mesmas razões, o que também demonstra uma coerência lógica nos fundamentos jurídicos apresentados para manter a prisão.
A natureza do crime pelo qual a recorrente foi acusada - participação em grupo criminoso organizado, com ligações no exterior - teria aumentado o risco de perturbação na aplicação da lei, mostrando-se razoável a rejeição do pedido de prisão domiciliária.
Em conclusão o TEDH apontou que razões objectivas podem ter justificado o prolongamento da detenção preventiva, não resultando do processo que as autoridades portuguesas tenham agido sem a devida diligência exigida pelo caso, que dizia respeito a sérias acusações de branqueamento de capitais e fraude fiscal praticada pela recorrente e por mais sete co-arguidos, que não se limitaram ao território português, mas se estenderam internacionalmente.
Quanto à apresentação ao magistrado nas 48 horas seguintes à prisão, a Corte recordou que o Tribunal Constitucional português interpreta o artigo 28, n.º 1, da Constituição portuguesa - combinado com e o artigo 141, n.º 1, do Código de Processo Penal luso - no sentido de considerar que o ato deve ser praticado em quarenta e oito horas, mas este período diz respeito ao momento da comparência do arguido perante o juiz, e não ao momento da decisão do juiz que ordena a prisão preventiva ou a libertação.
Ao trazer à memória o caso Rossi vs. França (application nº 60468/08), o acórdão ressaltou ainda que "a rapidez com que um preso tem direito a ter o seu caso examinado não deve interferir nos esforços dos magistrados para sua tarefa seja realizada com as cautelas necessárias".
Clique aqui para consultar o acórdão (em francês)