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Direito do Desporto:

Breves apontamentos ao novo regime jurídico português do contrato de trabalho, formação, representação e intermediação desportiva (Lei n.º 54/2017).

PT-BR

Por Renato Morad Rodrigues e Julian Henrique Dias Rodrigues (31/7/2017)

Novo diploma jurídico no âmbito do desporto português, a Lei n.º 54/2017 revê as regras sobre o contrato de trabalho do praticante desportivo, o contrato de formação desportiva e o contrato de representação ou intermediação, revogando o antigo regime jurídico da Lei n.º 28/1998.

 

A lei decorre do projeto n.º 297/XIII apresentado pelo PS a 12 de setembro de 2016 e aprovado a 24 de maio de 2017, tendo sido publicada no Diário da República do dia 14 de julho de 2017. A entrada em vigor se deu no dia 19 de julho. 

 

I. Disposições gerais

 

De início, o novo diploma prevê a possibilidade da lei ser objeto de desenvolvimento e adaptação por convenções coletivas de trabalho quando mais favoráveis aos praticantes desportivos e uma vez respeitadas as especificidades da modalidade desportiva (n.º 2 do art. 3.º).

 

Adiante a lei prevê que as associações representativas de entidades empregadoras e de praticantes podem por convenção coletiva submeter discussões acerca do contrato desportivo e de formação desportiva ao Tribunal Arbitral do Desporto, criado pela Lei nº. 74/2013, que em seu artigo 7.º trata da arbitragem voluntária em matéria laboral.

 

II. Forma e conteúdo do contrato de trabalho desportivo

 

A lavratura do contrato desportivo passa a ser feita em triplicado, sendo destinada uma cópia para cada uma das partes envolvidas e a terceira para efeito de registo (nº. 1 do art. 6.º);

 

Na formação do contrato desportivo será necessário constar a identificação de empresário desportivo que intermedeia o negócio (ou a menção expressa de sua inexistência), o valor da retribuição pela prática desportiva, bem como a possibilidade de fracionamento das retribuições dos meses de junho e julho e dos subsídios de natal e de férias em prestações não inferiores a 10, pagas conjuntamente com a retribuição dos restantes meses (n.º 4 do art. 15.º).

 

Deverá ainda ser mencionado eventual período experimental, quando for o caso (art. 10.º), que poderá ser de 15 dias (uma época desportiva) ou 30 dias (duas ou mais épocas desportivas). 

 

II.1. Registo

Para o registo do contrato desportivo será necessária a prova do correspondente seguro de acidente de trabalho e a apresentação da prova da aptidão médico-desportiva do praticante.

 

Essa exigência é cumprida com a apresentação de um laudo que comprove o estado de saúde compatível para a prática da atividade (n.º 4 do art. 7º).

 

Deve ser observada a regulamentação da FPF relacionada ao necessário registo do atleta como desportista profissional, na forma do art. 10, n.º 1, do Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência de Jogadores (RECITJ-FPF), operando-se o consequente registro do contrato de trabalho desportivo.

 

Para o efeito, como estabelece o n.º 4 do art. 11.º, do RECITJ, a FPF apenas procede ao registo do contrato de trabalho desportivo que contenha, “além dos demais elementos previstos na legislação e regulamentação aplicável”, o nome e a assinatura do intermediário registrado que represente os interesses das partes, ou como já mencionado, a informação de que o contrato foi celebrado sem a intervenção deste profissional.

 

II.2. Duração

 

O contrato desportivo passa a ter duração mínima de uma e máxima de cinco épocas (n.º 1 do art. 9.º), frente ao limite de oito épocas da lei revogada. Os contratos desportivos firmados com menor estarão limitados a três épocas (art. 9º. nº. 6).

 

Estas disposições restringem a exclusividade de uma entidade empregadora desportiva sob o atleta por tempo excessivo, beneficiando a sua mobilidade profissional.

 

A previsão de período experimental não poderá ser superior a 15 dias em caso de contratos cuja duração seja de até duas épocas, ou 30 dias para os contratos com duração superior a duas épocas.

Também sob o prisma da proteção ao trabalhador, a nova lei proíbe a cessão do contrato de trabalho desportivo em período experimental por parte da entidade empregadora quando findo o prazo para inscrição do praticante na respectiva federação desportiva (alínea “c” do n.º 3 do art. 10.º).

 

II.3. Deveres da entidade empregadora desportiva

 

A entidade empregadora desportiva está obrigada a efetuar o registo do contrato desportivo e suas eventuais modificações posteriores, bem como proporcionar aos praticantes desportivos menores “as condições necessárias à conclusão da escolaridade obrigatória”.

 

A lei traz menção expressa aos direitos da personalidade e ao assédio no ambiente de trabalho.

 

Nesse sentido, as entidades empregadoras desportivas deverão adotar novas cautelas visando assegurar o respeito aos chamados ‘direitos personalíssimos’ do praticante desportivo, em especial, no que respeita ao assédio e à pressão tradicionalmente verificados no âmbito das competições desportivas profissionais de alto rendimento.

 

A ética desportiva é consagrada como dever da entidade formadora.

 

Questões subjacentes à relação atleta-clube - tais como as que se travam com a imprensa e aos adeptos, passam a ter alguma relevância jurídica em razão das influências que possam exercer nos direitos da personalidade do praticante.

 

O direito de imagem é mantido no art. 14 da nova lei, cujo teor pouco difere do dispositivo correspondente na lei revogada, fazendo-se entretanto uma ressalva expressa à possibilidade de transmissão contratual da exploração comercial da imagem do atleta.

II.4. Infrações disciplinares

 

As infrações disciplinares passam a conter a descrição de “sanção pecuniária” no lugar de multa. O tema é melhor tratado na alínea “b” do n.º 1 do art. 18.º. Diminuiu-se o tempo de suspensão máxima para 10 dias por infração e, em cada época, o total de 30 dias (n.º 3 do art. 18.º).

 

Seja qual for a sanção, a nova legislação prevê a necessidade de instauração de procedimento disciplinar.

 

Assim, o praticante desportivo tem a possibilidade de defender-se, apresentando provas e declarações sobre o fato (n.º 5 do art. 18.º).

 

O procedimento disciplinar prescreve em 180 dias contados da data de instauração se, nesse prazo, o praticante desportivo não for notificado da decisão final (n.º 6 do art. 18.º).

 

II.5. Transferência do atleta

 

A compensação financeira em caso de mudança de entidade empregadora desportiva pelo atleta não é devida se houve resolução do contrato desportivo pelo praticante por justa causa ou quando despedido sem justa causa (n.º 7 do art. 19.º).

 

Em caso de inexistência de sindicato, a compensação pode ser estabelecida por regulamento federativo (n.º 8 do art. 19.º).

 

Havendo cedência do praticante desportivo para outra entidade empregadora desportiva (“empréstimo”), as duas entidades serão  solidariamente responsáveis pelo pagamento da retribuição do praticante, devendo o praticante desportivo, entretanto, comunicar o fato à parte não faltosa em 45 dias, sob pena de desresponsabilização desta. 

 

III. Cessação do contrato de trabalho desportivo

As chamadas “cláusulas indemnizatórias” podem ser estipuladas para a cessação do contrato de trabalho desportivo por parte do praticante, podendo ter seu valor diminuído pelos Tribunais em caso de desproporcionalidade (n.º 2 do art. 25.º).

 

Em contrapartida, a indemnização pela cessação do contrato desportivo pode ser superior à estipulada, sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado (art. 24.º).

 

Será ainda solidariamente responsável pela indemnização acima destacada a entidade empregadora desportiva que contribuiu para a rescisão contratual (art. 26.º). 

 

Por fim, o vinculo desportivo é desfeito com a devida comunicação de cessação do contrato, sendo possível o registro de novo contrato (n.º 3 do art. 27.º).

 

Caso a cessação do vínculo tenha sido ilicitamente promovida pelo clube, deixa de haver a possibilidade de reintegração.

 

IV. Contrato de formação desportiva

 

Quanto à formação desportiva, a nova legislação demonstra certa cautela e preocupação ao prever a todo tempo a necessidade de se garantir a formação educacional do formando desportivo.

Segundo a exposição de motivos do então projeto de lei, "o contrato de formação desportiva vê a sua configuração ajustada ao atual contexto de escolaridade obrigatória, garantindo-se a compatibilização entre o direito ao ensino e ao desporto, através da introdução de exigências formais e funcionais a nível contratual".

 

Isto pode ser visto nos artigos 31.º (tempo de formação limitado à frequência do formando desportivo de modo a permitir sua frequência nas aulas e deslocação para o estabelecimento de ensino) e alínea “e” do n.º 1 do art. 32.º (obrigação da entidade formadora de proporcionar a prossecução dos estudos do formando).

 

O contrato de formação desportiva terá duração máxima de três épocas, podendo ser prorrogado por mútuo acordo entre as partes, nunca podendo exceder o momento em que o formando desportivo completar 19 anos.

 

Ainda chama-se a atenção à possibilidade da criação de contrato intermediário entre o de formação desportiva e o contrato de trabalho aos praticantes desportivos com idade não superior a 21 anos.

 

V. Empresários desportivos

 

Já dizia o artigo 23.º n.º 4.º da revogada Lei n.º 28/1998 que os contratos celebrados com empresários desportivos não inscritos no "registo dos empresários desportivos" se consideravam inexistentes.

Talvez seja essa a maior contribuição da nova legislação, pois ela regulamenta de forma mais abrangente a atividade empresarial de representação e intermediação em contratos desportivos.

O artigo 38.º conceitua e fornece os elementos nucleares do contrato de representação ou intermediação, definindo-o como um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo (ou uma entidade empregadora desportiva), sujeito a forma escrita, e que contenha com clareza os serviços a prestar, a remuneração devida e as condições de pagamento.

 

O rigor formal exige que as atividades empresariais sejam exercidas por pessoas singulares ou coletivas  devidamente autorizadas pelas entidades desportivas competentes, nacionais ou internacionais, e limitar-se-ão à representação de uma das partes.

 

Assim o novo artigo 37.º determina que os empresários deverão estar inscritos junto à federação desportiva competente, e esta deverá manter um registo organizado e atualizado, sob pena de nulidade do contrato.

 

A esse respeito, aponta o Regulamento de Intermediários da FPF que no processo de seleção e de contratação, o jogador e o clube devem antes do início da prestação dos serviços, certificar que o intermediário está registado na FPF, e então assinar o competente contrato de representação.

Recentemente a 1.º de junho de 2017 o Tribunal da Relação de Lisboa teve a oportunidade de analisar a validade de um contrato de representação que envolveu uma empresa intermediária não inscrita perante a Federação Portuguesa de Futebol ou a Liga. 

O entendimento que prevaleceu - favorável ao atleta e contrário ao intermediário - foi de que não estando a empresa inscrita enquanto empresária desportiva perante a Federação Portuguesa de Futebol ou a Liga Portuguesa de Futebol, o contrato de mandato entre a empresa e o jogador é nulo ou inexistente, nos termos do nº 4 do art. 23º da agora revogada lei (processo n.º 7248-13.6TBCSC.L1-8).

Nesse ponto, o entendimento e o correspondente quadro normativo seguem inalterados.

 

A lei ainda veda ao empresário a representação do praticante desportivo menor de idade (art. 36.º).

 

Relativamente à remuneração, ao representar um atleta - e ressalvada a questão da relação intermediário-clube - o contrato não poderá ter por remuneração valor superior a 10% do montante líquido da retribuição do praticante desportivo enquanto o contrato estiver em vigor (n.º 3 art. 38.º).

 

O prazo máximo de duração do contrato atleta-intermediário é de duas épocas, podendo ser renovado por acordo mútuo entre as partes, não cabendo a renovação automática.

Quanto aos impedimentos e incompatibilidades, não poderão exercer a atividade de empresário desportivo: as sociedades desportivas, os clubes desportivos, os dirigentes, os titulares de cargos em órgãos das sociedades ou clubes e os treinadores, praticantes, árbitros e massagistas.

 

Conclusões

 

Aproximando-se do Regulamento de Intermediários da FPF e afastando-se do Regulations on Working with Intermediaries da FIFA, a legislação veda a representação de menores, atualiza alguns conceitos e mantém limites à atividade do intermediário de praticantes desportivos.

 

Por outro lado, esclarece a natureza do contrato de prestação de serviços que rege a atividade, e expõe seus requisitos formais, em benefício da interpretação e da segurança jurídica.

 

Os instrumentos protetivos do trabalhador-atleta mantém-se, com pequenas atualizações.

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