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Exame Final de Avaliação e Agregação, o Exame de Ordem português: questão prática de deontologia profissional.

Lei de Migração brasileira

24/05/2017

Por Julian Henrique Dias Rodrigues

Tal como ocorre no Brasil, também em Portugal os estudantes de direito estão sujeitos à comprovação da aptidão profissional através de um exame nacional.

No Estatuto da OAB a exigência consta do art. 8.º, IV, e rege-se pelo Provimento n. 144/2011. Em Portugal, é o art. 195 do Estatuto que qualifica o exame como a fase final do período de estágio, que “termina com a realização da prova de agregação, na qual são avaliados os conhecimentos adquiridos nas duas fases do estágio”.

Coube ao Regulamento Nacional de Estágio (Regulamento n.º 913-A/2015) estabelecer em seu art. 28 que “a prova de agregação destina-se à verificação da capacidade técnica e científica do advogado estagiário, bem como da sua preparação deontológica para o exercício da atividade profissional de Advocacia, tudo com vista à atribuição do título de advogado”.

A aprovação depende de uma fase de entrevistas, e ao final é preciso atingir uma nota mínima de dez, numa escala de zero a vinte valores. A apuração se dá de acordo com as pontuações obtidas no período do estágio, que conta com a figura do patrono e se divide em duas fases: a primeira de seis meses, e uma segunda de doze.

Três são as bases percentuais da nota final.

Dez por cento se relacionam às peças processuais e trabalhos entregues à Comissão Nacional de Estágio e Formação, vinte por cento decorrem da entrevista, e os restantes setenta por cento cabem à prova final escrita, nominada Exame Nacional de Agregação e Avaliação (ENAA). Permite-se a consulta à legislação anotada ou comentada.

Somados os percentuais, está reprovado o advogado estagiário que não atingir dez valores na escala de zero a vinte.

Para melhor ilustrar o grau de complexidade das questões postas no “Exame de Ordem” português, analisaremos a primeira questão prática de deontologia constante do Exame de 28 de outubro de 2016, valendo dois valores.

O enunciado diz:

“Imagine que, recebendo no seu gabinete um cidadão estrangeiro, apercebe-se, em plena consulta, que ele lhe vinha solicitar, no interesse de um terceiro não identificado, aconselhamento e participação efetiva na colocação, em Portugal, de uma quantia de USD. 500.000,00, de que era portador em numerário, alegando que não conhecia as instituições financeiras portuguesas.

 

Considerando estar indiciada uma eventual operação de branqueamento de capitais, - Como reagiria e que atitudes tomaria em face dos deveres constantes do nosso EOA?”

 

A questão traz a imagem de um cliente que, aparentemente, não está disposto a fornecer ao advogado interlocutor toda a gama de informações que envolvem a transação financeira para a qual se busca orientação. O enunciado indica a suspeita de que se trataria de operação de branqueamento de capitais.

Passemos então à resposta, tendo como base os mesmos critérios de correção admitidos pela OA para o referido exame.

 

O primeiro ponto a ser destacado é que o art. 90, n.º 2, c, do Estatuto da OA, impõe ao advogado o dever de checar a identidade daquele que lhe contrata, bem como seus representantes. Assim, logo de início, não poderia ser aceito o patrocínio nos moldes obscuros evidenciados pelo enunciado, vale dizer, perante uma pessoa que se diz representante de um terceiro desconhecido.

 

O art. 98, n.º 1 do Estatuto dispõe que o advogado não pode aceitar a prestação de serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente. Em igual sentido, o mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante (art. 67, n.º 2).

Também por este motivo não seria lícito ao advogado aceitar intermediar uma transação sem com que antes houvesse a efetiva garantia de que o titular dos valores de fato o contratou.

Não obstante, o art. 90, n.º 2, d) do Estatuto, estabelece que o advogado deve recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação.

No caso em específico, a aceitação implicaria para o advogado eventual prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo art. 368º/A, nº 2, do Código Penal.

À luz das premissas deontológicas, e tendo em vista ainda que o art. 88 do Estatuto consagra o dever de integridade e seus consectários – dever de agir com honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e sinceridade – caberia ao advogado consultado rejeitar a proposta, sem prejuízo de guardar o segredo profissional.

Com efeito, o Estatuto exige do advogado que guarde segredo profissional no que respeita aos fatos conhecidos no exercício das suas funções, quer o serviço envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, e mais: tal dever engloba documentos e informações relacionados direta ou indiretamente aos fatos sujeitos a sigilo, mesmo em consultas (art. 92, n.º 1, e n.º1, a).

 

Vale lembrar ainda que os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo (n.º 5 do art. 92), de modo que o testemunho do advogado de nada valeria.

Conforme dispõe o art. 135 do Código de Processo Penal, os advogados podem escusar-se a depor sobre fatos abrangidos pelo sigilo profissional. Assim, a revelação a terceiros dos indícios constatados na consulta somente poderia ter validade se previamente autorizada pelo bastonário (art. 92, n.º 4, do Estatuto da OA), sob pena de nulidade.

A Lei n.º 25/2008 (Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo) em seu art. 35, dedicou aos advogados o dever de comunicar ao bastonário as operações suspeitas que lhes sejam confiadas.

Contudo, as controvérsias acerca do papel dos advogados no combate ao branqueamento de capitais, levantadas pela Lei nº 25/2008, pela Diretiva 2005/60/CE (que trata da prevenção do branqueamento de capitais através do sistema financeiro, e impõe o chamado dever de vigilância de clientela, mesmo aos advogados), pela Diretiva 2006/70/CE (que trata dos procedimentos relacionados à vigilância da clientela) e pela Diretiva 2015/849/CE, devem ser compatibilizadas com os deveres constantes do Estatuto.

Em suma, caberia ao advogado recusar a contratação e manter o sigilo profissional, ressalvada a possibilidade do art. 92, n.º 4, do Estatuto e a observância dos deveres éticos no cumprimento à obrigação do art. 35 da Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais.

Foram estes os pontos exigidos pela Comissão para a atribuição dos valores máximos à questão.

Clique aqui para ter acesso à prova.

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