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Diplomacia e História: Paço D' Arcos, o primeiro diplomata português no Brasil

 

Obra de 1974 traz as observações sinceras e contundentes do primeiro diplomata português no Brasil, Carlos Eugénio Correia da Silva, o Conde de Paço D' Arcos.

 

Momentos curiosos da política brasileira e traços da vida dos portugueses no Brasil revelam-se nas notas e relatórios da missão diplomática mantida de junho de 1891 a setembro de 1893, no contexto efervescente do início da "República Velha" e da recém-promulgada Constituição republicana.

Lei de Migração brasileira

Carlos Eugénio Correia da Silva, o Conde de Paço D' Arcos, foi o primeiro diplomata português no Brasil, onde esteve em missão de 1891 a 1893. Notas e relatórios estão no livro histórico "Missão Diplomática do Conde de Paço D’Arcos no Brasil (1891-1893)", publicado em 1974.

Por Julian Henrique Dias Rodrigues, advogado, fundador do Portal Direito Comparado (30/07/2017)

As mais de 300 bibliotecas públicas espalhadas pelo território português guardam fragmentos preciosos da história luso-brasileira.


Alguns dos mais instigantes estão na Biblioteca Municipal de Cascais, a poucos metros da estação de comboios inaugurada em 1889, cuja visita rende um passeio na história. No acervo está a famosa "Missão Diplomática do Conde de Paço D’Arcos no Brasil (1891-1893)" organizada por seus filhos e netos e publicada em Lisboa no ano de 1974.

O livro é uma compilação dos relatos e notas da missão diplomática comandada por Carlos Eugénio Correia da Silva, militar e político português que ocupou o título nobiliárquico de Conde de Paço D' Arcos e protagonizou a primeira missão diplomática portuguesa no Brasil após a queda da monarquia.

Para além da experiência militar, Carlos Eugénio já havia exercido funções de ministro plenipotenciário português no Japão e na China, além de administrador colonial em Macau, Timor e Moçambique (1876 a 1880), tendo alcançado o alto posto de Governador da Índia portuguesa (1882). O ano de 1890 se iniciava quando assumiu o Governo Civil de Lisboa, mas já ao final do mesmo ano foi convidado a exercer o posto diplomático no Brasil pós-monarquia. O convite foi aceito, e no dia 2 de junho de 1891 apresentava-se no Rio de Janeiro para acompanhar o conturbado contexto de implantação de um regime republicano no Brasil, sob o comando do alagoano Manuel Deodoro da Fonseca, o Marechal Deodoro.

O CONTEXTO

O contexto político brasileiro era agitado quando Carlos Eugénio desembarcou no Rio, mas a experiência adquirida ao longo de décadas lhe permitia fazer análises precisas. Meses antes Portugal havia experimentado na cidade do Porto a "Revolta de 31 de janeiro", sua primeira revolução tendente a implantar também ali um regime republicano. 

Em 25 de fevereiro de 1891 a Constituinte brasileira elegia Manuel Deodoro o Presidente da República, mas logo em novembro - no embalo de uma forte crise política e econômica - o eleito dissolveu o Congresso Nacional através do Decreto n.º 641A dose de autoritarismo foi mal calculada, e o remédio tornou-se veneno. Pressionado por muitos lados, Deodoro renunciou, e assumiu então o Vice-Presidente, o também marechal Floriano Peixoto.

Pelo art. 42 da Constituição recém-promulgada, vagando a presidência no primeiro biênio, deveriam ser realizadas novas eleições. Assim dizia o dispositivo constitucional:

Art 42 - Se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição.

Mas com o apoio do Senado, Floriano fez prevalecer o entendimento de que a exigência só era válida para os representantes escolhidos pelo povo, em eleições diretas, cabendo-lhe então a função de "consolidador da República". Manteve-se assim no poder até 1894.

É nesse contexto que se descortina a missão diplomática do Conde de Paço D'Arcos.

AS SESSÕES DO CONGRESSO, IMPRODUTIVAS MAS FÉRTEIS EM ESCÂNDALOS. "TUDO TRANQUILO".

Em carta datada de 4 de setembro de 1891, o diplomata relata a modorrência do Congresso brasileiro na adoção das medidas organizadoras da recém-rascunhada república brasileira. Dirigindo-se ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Joaquim Tomás Lobo de Ávila (o Conde de Valbom), assim se manifestou Carlos Eugénio:

"A politica interna da Republica continua na sua marcha de descredito de tudo e de todos. O periodo de inevitavel transição pela mudança de instituições, vê-se que ainda não acabou e tarde será seu termo.

As sessões do Congresso, improdutivas por emquanto de leis ou medidas organizadoras, são porem ferteis em escandalos e em scenas violentas e tumultuosas, de que largamente se ocupam a imprensa e as conversações nos circulos politicos, com grande gaudio de todos os descontentes que almejam por mudança de cousas (...).".

 

A menção aos descontentes (ainda no período pré-golpe de Estado) faz referência aos imperialistas ávidos pelo retorno da monarquia e aos republicanos moderados, prudentes e ordeiros segundo suas palavras, desejosos de uma república unitária e parlamentarista e de uma solução que restabelecesse a ordem e salvasse o país da crise financeira.

Após a dissolução do Congresso e a tentativa de golpe de Deodoro, Carlos enviava novo e sucinto comunicado a Lisboa, com data de 23 de novembro“Marinha de guerra depôs Presidente.da Republica, o qual entregou o governo para o Marechal Peixoto vice-presidente. Este convocou congresso; tudo tranqüilo”.

PORTUGUESES NO BRASIL: IMIGRAÇÃO EM MASSA E PERDA DA NACIONALIDADE

Em agosto de 1892, o diplomata relata a Ayres de Gouveia (então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal) sua preocupação com um contrato firmado entre o governo brasileiro e a Companhia Metropolitana, do empresário e engenheiro Carlos Augusto de Miranda Jordão. Publicado nos jornais da época, o acordo previa a introdução de um milhão de imigrantes no Brasil, todos vindos da Europa.

Carlos Eugénio se diz preocupado com a despovoação de Portugal, já que o novo contrato tenderia a buscar a força de trabalho no país irmão, sem poupar os indivíduos válidos com doze ou mais anos de idade:

22 de agosto de 1892

Ao Ministro Ayres de Gouveia (...)

Tenho a honra de passar às mãos de V. Ex.ª um numero do Jornal do Comercio em que vem publicado o contracto que este Governo acaba de fazer com a Companhia Metropolitana, para a introdução de um milhão de imigrantes.

Vê-se deste contracto que a Companhia promotora e agente de imigração, se obriga a recrutar, ou melhor, colher as rezes do seu negocio, na Europa e ainda nas possessões de Portugal e Hespanha.

Parece-me conveniente o estudo deste novo contracto, que derogou os anteriores, mas que tenderá como êles a despovoar a nossa terra de todas as pessoas válidas acima dos 12 anos de idade, pois que é com essas que a Companhia fará maiores interesses, e que procurará com mais empenho.

V. Ex.ª me determinará o que julgar conveniente.

Deus guarde etc.
(a) Conde de Paço d'Arcos

Dias antes o jornal O Estado de São Paulo também estampava as condições do contrato, pelo qual a introdução dos trabalhadores imigrantes europeus não poderia exceder cem mil indivíduos por ano, nem ser inferior a cinquenta mil. Os anos que se seguiram foram de intensa imigração subsidiada.

Nesse contexto, Carlos Eugénio mostrou-se extremamente preocupado com o controle pouco preciso dos registros de entrada e saída de estrangeiros, e em tom de quase desespero, recomendou ao Consul Geral de Portugal que procedesse imediatamente o registro dos portugueses que entraram no Brasil após a proclamação da república. Dirigiu-se nestes termos:

22 de março de 1893

Ao Consul Geral (...)

Consta com sentimento a esta Legação, por queixas de alguns dos interessados, que varios compratiotas nossos vindos de Portugal depois da proclamação da Republica e naturalmente depois do prazo fatal (segundo quere o governo brazileiro) para se fazerem declarações de nacionalidade, tendo ido a esse Consulado ou às suas agencias com o fim de visarem os seus passaportes e inscreverem-se no livro competente, aí nesse consulado ou nas suas agencias se hão negado ao visto do passaporte e ao registo, dizendo-se-lhes que não é preciso, que não há perigo, que só depois de dois anos de residencia é que correm risco de perda de nacionalidade e que portante podem esperar sem pressa.

Há por força algum equívoco nestas queixas, porque nesse consulado não pode deixar de se fazer o registro do livro 9.º (art. 15.º do regulamento consular) logo que este seja exigido; tanto mais agora que o governo do Brazil e a sua constituição (que neste ponto o nosso governo não reconhece) tendem por todos os meios possíveis e impossíveis a absorver a nacionalidade dos subditos estrangeiros, mormente dos portugueses.

Considerará portanto V. Ex.ª que qualquer descuido que haja no registo de residência dos nossos patrícios, ou qualquer dificuldades que se ponha a esse registo, é um grave prejuízo nacional e uma desobediência às repetidas ordens do nosso governo, que nos manda pelo contrario fazer todas as facilidades e diligencias para assegurarmos e mantermos a nacionalidade de origem dos nossos compatriotas.

Tenha V. Ex.ª portanto como muito recomendado, e assim determinará às suas agências, que matriculem imediatamente todos os subditos portugueses que apresentem passaportes legais mostrando que entraram no Brazil depois de 15 de novembro de 1889.

Deus guarde, etc.
(a) Conde de Paço d'Arcos

 

A queixa não era sem razão. De fato, o art. 69 da Constituição de 1891 dizia que "são cidadãos brasileiros os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem".

 

O quadro de "absorção da nacionalidade" referido pelo Conde, associado à imigração massiva de portugueses através da Companhia Metropolitana, deixou pelo caminho a perda da nacionalidade lusa para diversos deles. Essa circunstância histórica ainda hoje impõe dificuldades aos descendentes que buscam ter acesso à nacionalidade portuguesa através de ascendentes que viveram nesse contexto histórico, quando engatinhava vacilante o "Brasil República".

OS VAZAMENTOS

Nem se sonhava com a internet, mas já em 1893 o então diplomata Carlos Eugénio foi vítima de um "vazamento" constrangedor.

Como representante diplomático de um regime monárquico parecido com o que acabara de tombar, desde o princípio Carlos era visto com algum desconfiança pela elite política brasileira.
 

A missão ruiu de vez quando foram divulgados na imprensa brasileira diversos trechos dos seus relatórios enviados a Lisboa. É que na capital portuguesa, jornais reproduziam pontos diversos dos seus documentos, e as publicações reverberaram no Brasil pelas mãos e bocas de diversos políticos da época. Conforme despacho do próprio Carlos, lavrado em agosto daquele ano, o constrangimento e a má impressão causada eram incontornáveis.

 

Foi chamado a Lisboa - onde faleceria 12 anos depois - e nunca mais pôs os pés no Brasil.

 

Era o fim da missão.

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